Em 2022, o dia mundial do cérebro se dedica ao tema “um cérebro saudável para todos” (Brain Health for All) [1]. A celebração deste dia é importante justamente para despertar uma maior consciência sobre os inúmeros desafios e soluções envolvendo o cérebro humano... ou, nós mesmos. Dentro do principal tema, a campanha atual foca em 5 tópicos-chave [2]:
Sensibilização | mostrar à sociedade que a saúde do cérebro é vital para o bem-estar mental, social e físico; |
Prevenção | promover a divulgação sobre como muitas doenças cerebrais são evitáveis; |
Advocacia | incentivar os esforços globais para uma saúde ótima do cérebro; |
Educação | destacar a informação técnica de base sobre mecanismos, tratamentos e doenças neurológicas, psiquiátricas e psicológicas desenvolvidas por profissionais (clínicos e cientistas), além da divulgação desse conhecimento para a sociedade; |
Acesso | incentivar o acesso igualitário de recursos e tratamento nos diferentes países e regiões do mundo. |
Dada a velocidade das mudanças tecnológicas e de costumes que a sociedade atravessa, o tema proposto já seria pertinente em qualquer outro período, mas se torna ainda mais pertinente frente às recentes adversidades enfrentadas por todos. Com uma interminável pandemia, nos últimos anos nos vimos obrigados a mudar consideravelmente nossos hábitos, nossa forma de nos relacionar com outros, além de aprender a conviver com perdas materiais e pessoais [3]. Por fim, ainda sentimos os efeitos práticos de uma guerra distante, com impactos econômicos severos [4].
Os avanços tecnológicos estão em completa consonância com o direcionamento de um cérebro mais saudável.
Além de todos esses confrontos psicossociais, estão cada vez mais evidenciados pela Ciência, os inúmeros danos estruturais e funcionais causados ao cérebro pela infecção da COVID-19 [5].
Muitos dos avanços significativos na Neurologia – área da medicina que se dedica ao estudo e tratamento de doenças do sistema nervoso [6] – advêm da Neurociência. A Neurociência pode ser entendida como uma grande área da Ciência que se dedica a estudar as diferentes relações neurais, considerando seus múltiplos níveis, escalas e contextos, do mais físico e biológico ao mais funcional e social [7]. É através dela, que novos conhecimentos sobre mecanismos de base, caracterizações, conceitos, medidas, índices, ferramentas e protocolos, são direcionados a novos tratamentos e diagnósticos neurológicos.
Imagem: Science News
Dentro dos muitos subcampos da Neurociência, destaco a Neuroengenharia e a Neurociência Computacional, que desempenham um papel bastante importante com o desenvolvimento de novos métodos de caracterização quantitativa, novos instrumentos para registro e modulação da atividade neural.
Com base em princípios estatísticos ou inspirados em teorias físicas, a Neurociência Computacional desenvolve modelos matemático-computacionais, que ajudam a entender os diferentes fenômenos neurais, como o funcionamento de canais iônicos celulares, a formação de núcleos e circuitos, a dinâmica de atividades epilépticas, como certos circuitos neurais geram ritmos eletrofisiológicos, ou mesmo no desenvolvimento de algoritmos inteligentes, capazes de predizer intenções de movimento, ou ainda, índices quantitativos, que ajudam em diagnósticos e prognósticos clínicos [8,9,10].
Por exemplo, temos a Conectômica, que se dedica a descrever quantitativamente como se surgem certos arranjos de conexões neurais, em diferentes níveis e escalas, e as implicações dessas configurações. Em alusão ao genoma humano, um dos grandes objetivos da Conectômica é a descrição de um conectoma humano, um tipo de “assinatura das conectividades cerebral”, capaz de mostrar como desvios e perturbações nesses arranjos de conexões neurais estão associados a funções e disfunções neurológicas, como epilepsia, Parkinson ou mesmo condições psiquiátricas [11].
A Neuroengenharia, por sua vez, traz o desenvolvimento de novos instrumentos capazes de registrar ou modular a atividade neural. Ressonância Magnética, Eletroencefalografia, Estimulação Transcraniana, Estimulação Cerebral Profunda etc. são exemplos de dispositivos que usam conhecimentos da engenharia em prol de uma melhor leitura e intervenção no cérebro humano [12].
Atualmente, essas áreas da Neurociência trazem também técnicas modernas, que auxiliam na assistência às pessoas com deficiências neurológicas sensoriais e motoras. Exoesqueletos controlados diretamente pela atividade cerebral (como as chamadas de Interface Cérebro-Máquina) e neuromoduladores de nervos pélvicos ou medulares para controle da marcha são alguns exemplos de avanços, que têm trazido grande esperança para pessoas com lesão medular ou que sofrem com alguma outra condição motora, como amputação, AVC, esclerose lateral amiotrófica (ELA) etc [13,14].
Os avanços tecnológicos estão, portanto, em completa consonância com o direcionamento de um cérebro mais saudável. Um cérebro saudável é primeiro requisito para uma vida individual saudável. Por consequência, somente com cérebros saudáveis é possível a construção de uma sociedade sã. Inversamente, essa mesma sociedade influenciará diretamente na saúde mental e neurológica de cada um. Dessa forma, cabe à Ciência, o desenvolvimento de técnicas e protocolos para nos auxiliar no tratamento e prevenção de disfunções e doenças. E cabe a todos, uma constante atenção sobre nós mesmos e sobre o próximo, para que, cada vez mais, possamos ter “a brain health for all”.
Por Jean Faber Ferreira de Abreu
Professor Adjunto do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia - Disciplina de Neurociência da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Bacharel em Física, mestrado e doutorado no programa de Modelagem Computacional do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) na área de Informação e Computação Quântica. Outras informações: clique aqui