O 3º sábado do mês de outubro foi instituído como Dia Nacional de Combate à Sífilis e à Sífilis Congênita por meio da Lei nº13.430/2017. As infecções sexualmente transmissíveis (IST) representam um importante agravo de saúde pública global, sendo, dentre as doenças infecciosas, uma das modalidades mais comuns. Apesar de haver uma noção errônea de que sejam doenças benignas e de simples tratamento, há vários casos graves. A saúde geral, reprodutiva e infantil podem ser afetadas por situações como infertilidade, complicações na gestação e parto, morte fetal e agravos na saúde das crianças. Casos de sífilis com importantes lesões neurológicas, oculares, otológicas e cardiovasculares tem sido vistos com mais frequência. Mortalidade, sequelas e perda da qualidade de vida podem decorrer dessas situações. Além disso, um dos impactos indiretos da infecção por uma IST é o aumento do risco de transmissão sexual do vírus da imunodeficiência humana (HIV).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estimou a incidência de casos de IST curáveis em 376,4 milhões, entre os quais 6,3 milhões de casos de sífilis, conforme dados de prevalência de 2009 a 2016. A prevalência global estimada de sífilis, em homens e mulheres, foi de 0,5%, com valores regionais variando de 0,1 a 1,6%. O panorama no Brasil é semelhante ao de outros países, conforme a mesma fonte. No último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, pode-se observar que a sífilis adquirida, agravo de notificação compulsória desde 2010, teve uma taxa de detecção de 54,5 casos por 100.000 habitantes, em 2020. Também em 2020, a taxa de detecção de sífilis em gestantes foi de 21,6/1.000 nascidos vivos; a taxa de incidência de sífilis congênita, de 7,7/1.000 nascidos vivos; e a taxa de mortalidade por sífilis congênita, de 6,5/100.000 nascidos vivos. Se excluirmos o ano de 2020, em função de uma possível subnotificação de casos gerados pela pandemia de COVID-19, observaremos tendência de preocupante elevação em todos esses índices, nos últimos anos (figura 1).
Figura 1. Taxa de detecção de sífilis adquirida (por 100.000 habitantes), taxa de detecção de sífilis em gestantes e taxa de incidência de sífilis congênita (por 1.000 nascidos vivos), segundo ano de diagnóstico. Brasil, 2010 a 2020
A estratégia 2016-2021 do setor global de saúde para as IST foi apresentada na Assembleia Mundial de Saúde, em 2016. Tal estratégia contempla a ampliação de ações e serviços baseados em evidências para reduzir o impacto das IST como problema de saúde pública até 2030, com metas de redução global de casos de sífilis e gonorreia, eliminação da sífilis congênita e ampliação da cobertura de imunização contra o papilomavírus humano (HPV).
O número de casos de sífilis é preocupante, o que demonstra a necessidade de reforço às ações de vigilância, prevenção e controle dessa infecção. Como a maioria dos casos são oligossintomáticos ou assintomáticos, é muito importante uma busca ativa do diagnóstico, conforme a vulnerabilidade da pessoa atendida. Todos os casos diagnosticados devem ser notificados, para prover informações às autoridades de saúde, que, com uma correta análise da situação, poderá guiar a implementação de políticas públicas.
A pessoa doente deve ser acolhida e orientada. O início do tratamento deve ser, preferencialmente, imediato, visando reduzir a transmissão da doença. Nesse momento, todas as outras IST devem ser rastreadas através da história clínica, exame físico e exames complementares.
Devemos cuidar para que as parcerias sexuais das pessoas atendidas procurem o diagnóstico e o tratamento, sem violar o sigilo médico e a privacidade desses indivíduos. Essas são oportunidades de cuidados que não podem ser perdidas, para o bem da pessoa e da coletividade. Por fim, nunca será demais lembrar sobre a educação em saúde, desde o ensino fundamental, que pode empoderar as pessoas a promoverem seu autocuidado. Esse dia mundial traz consigo a mensagem de que devemos falar mais sobre esses assuntos, sem estigmas, sem preconceitos, sem discriminação e procurando o bem das pessoas.
Por Paulo Roberto Abrão Ferreira
Professor Adjunto da Disciplina de Infectologia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) e coordenador do Ambulatório de Infectologia (Rua Napoleão de Barros, 875). Outras informações, clique aqui.