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O artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
No dia 21 de março, instituído pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) como o Dia Mundial da Infância, somos convidados a refletir sobre como e o quanto nós, a sociedade, estamos nos esforçando para o cumprimento do nosso dever.
Segundo o Unicef, a pobreza multidimensional na infância e na adolescência atingia 63,1% da população brasileira de até 17 anos em 2019, cenário que atualmente é ainda mais desafiador, já que houve piora em alguns indicadores nos três últimos anos. No Brasil, crianças e adolescentes vivem em condições de moradia, com privação de acesso à água, falta de saneamento e renda. Dados de 2021 indicavam percentual de 16,1% de crianças e adolescentes de famílias com renda abaixo da linha de pobreza monetária extrema.
São milhões de crianças desnutridas, sobretudo em grupos vulneráveis. Diante da desigualdade racial e de renda, meninos negros são os mais afetados pela fome e desnutrição. Paralelamente, vivencia-se aumento no consumo de alimentos ultraprocessados e do número de crianças com sobrepeso e obesidade, caracterizando um grave cenário de insegurança alimentar. Houve redução progressiva da cobertura vacinal e aumento do número de casos de doenças imunopreveníveis que estavam controladas. Convivemos com uma situação de exclusão escolar, concentrada entre crianças de 4 e 5 anos e entre adolescentes de 15 a 17 anos.
No Brasil, ao menos 32 milhões de meninas e meninos (63% do total) vivem na pobreza, em suas múltiplas dimensões: renda, educação, trabalho infantil, moradia, água, saneamento e informação. Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil
Em 2019, mais de 2 milhões de crianças e adolescentes brasileiros de 5 a 17 anos exerciam algum tipo de trabalho infantil. Soma-se a este panorama, a violência doméstica, a violência sexual, a violência urbana e as mortes por violência. Entre 2016 e 2020, ocorreram em média 7 mil mortes violentas de crianças e adolescentes por ano no Brasil, ressaltando-se aumento dos casos na faixa etária da primeira infância.
Neste contexto, destacam-se, ainda, os problemas relacionados ao meio digital. O uso excessivo de telas e aparelhos eletrônicos e a hiperconectividade, frequentemente sem supervisão, expõem crianças e adolescentes a riscos diversos, como atrasos de desenvolvimento, alterações do comportamento e do relacionamento familiar e social, aumento do estresse, transtornos de aprendizagem e distúrbios do sono.
Não bastasse a situação descrita, a pandemia da Covid-19 expôs um quadro extremamente preocupante em relação à saúde mental de crianças e adolescentes. Cada vez mais frequentes, os transtornos mentais constituem importante e ignorada causa de sofrimento, ocorrência estimada em mais de um em cada sete meninos e meninas com idade entre 10 e 19 anos em nível mundial.
Em 21 de março de 2023, crianças e adolescentes brasileiros vivem em condições de privações, exclusões e diferentes vulnerabilidades, sujeitas à invisibilidade, ao abandono e ao silenciamento. Tal cenário resulta no comprometimento dos direitos ratificados em diversos tratados e convenções internacionais e expõe a fragilidade de políticas públicas que garantam igualdade de acesso a bens sociais, culturais e econômicos e, consequentemente, à possibilidade de fazer escolhas.
A infância consiste num período singular e significativo de construção e desenvolvimento de habilidades, valores e potencialidades, requerendo proteção integral, cuidado, amparo e acolhimento. No dia mundial da infância percebe-se que, como sociedade, é necessária e urgente a implementação de mais ações em favor da vida e do futuro. Ações que demonstrem o reconhecimento da criança como sujeito de direito e membros ativos da sociedade. Intervenções efetivas em áreas como saúde, educação e proteção social. Pois cuidar das crianças representa ser a favor da vida e promover um bom futuro.
Toda criança merece o melhor da infância. Imagem: Pexels
Referências
- BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
- UNICEF Brasil. As múltiplas dimensões da pobreza na infância e na adolescência no Brasil. 2023.
- UNICEF. Comunicado à imprensa. Nos últimos 5 anos, 35 mil crianças e adolescentes foram mortos de forma violenta no Brasil, alertam UNICEF e Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 2021.
- Deslandes SF, Coutinho T. O uso intensivo da internet por crianças e adolescentes no contexto da Covid-19 e os riscos para violências autoinflingidas. Ciência & Saúde Coletiva, 25(Supl. 1):2479-2486, 2020.
- United Nations Children’s Fund (UNICEF). The state of the world ’s children 2021. On my mind. Promoting, protecting and caring for children’s mental health. 2021.
Por Aline Santa Cruz Belela Anacleto
Professora adjunta do Departamento de Enfermagem Pediátrica da Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo (EPE/Unifesp). Enfermeira especialista em Cuidados Intensivos Pediátricos. Outras informações, clique aqui.